Custo de energia agravou mau momento da produção

June 03, 2014 | Categoria: Energy

Por Arícia Martins - De São Paulo

A crise na oferta e a consequente elevação dos preços de energia no mercado livre - onde boa parte da indústria se abastece - afetaram a produção industrial neste começo de ano. Segundo uma série especial calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a atividade nos setores de alta intensidade em gastos com energia elétrica ficou estagnada de janeiro a março, na comparação com igual período de 2013, enquanto, no segmento de média intensidade, houve recuo de 0,7%. Já o grupo de baixa intensidade viu sua produção crescer 1,6% no período.

O recorte do IBGE é um agrupamento de produtos da Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF), com base na Pesquisa Industrial Anual (PIA) de 2010. Segundo a PIA, naquele ano, os gastos com energia representaram 4,7% do valor da transformação no total da indústria. Setores de média intensidade têm coeficiente de gastos com o insumo próxNa primeira semana de junho, cálculo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) aponta que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) na região Sudeste - que representa o valor da energia no mercado de curto prazo nesse submercado - caiu para patamar inferior a R$ 600 por megawatt-hora pela primeira vez desde janeiro, após ter ficado no teto de R$ 822,83 em boa parte do ano. Já no mercado regulado, estimativas da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) indicam que o preço médio de R$ 310,7 por MWh deve aumentar para R$ 342,7 até dezembro de 2014, caso se mantenha a tendência de reajuste médio de 17,1% das tarifas industriais.

Na avaliação de Ricardo Savoia, diretor de regulação e gestão em energia da Thymos Energia Consultoria, a redução do consumo de energia pelas grandes indústrias, que preferem vender seus megawatts-hora no mercado de curto prazo a utilizá-los, pode ter moderado a produção de alguns setores. Savoia observa que, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de energia residencial subiu 10% de janeiro a março sobre o mesmo período de 2013, ante avanço de apenas 0,7% no consumo industrial.

"A indústria está em uma situação complicada em termos de consumo de energia", afirma o consultor. De acordo com a EPE, os setores de metalurgia e alumínio, que são intensivos em energia, mostraram uma ligeira melhora no consumo em março, mas mesmo assim, ainda são sentidos reflexos dos preços deprimidos dos dois produtos no mercado externo e, no mercado doméstico, dos elevados preços da energia elétrica.

"Mesmo a indústria desse segmento que não depende de compra de energia da rede, porque possui geração própria, tem reduzido sua produção em função do panorama externo e, eventualmente, diante da oportunidade de vender, no mercado de curto prazo, a energia que produz a preços atraentes", afirma a EPE em relatório. Para Savoia, o cenário de escassez de oferta deve permanecer ao longo do ano e os preços no mercado livre devem continuar próximos aos níveis observados desde fevereiro.

Dentro das indústrias mais intensivas em energia, a produção de bens intermediários (como produtos químicos, minérios, tecidos e bobinas de aço, entre outros) subiu 0,7% no primeiro trimestre, de acordo com a série do IBGE. A influência negativa para o setor de alta intensidade como um todo partiu dos bens de consumo semiduráveis e não-duráveis, cuja atividade encolheu 3,2% de janeiro a março. Nesta categoria de uso, estão contidos muitos alimentos, como carnes de bovinos congeladas, alguns itens têxteis, de higiene pessoal e, também, pilhas e baterias não produzidas para veículos.

O gerente da coordenação da indústria do IBGE, André Macedo, destaca que a série especial de intensidade com gastos de energia não tem como objetivo classificar setores como eletrointensivos, nem busca reproduzir a metodologia de outras instituições com esse fim. Estimativas da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) apontam que, nos setores de gases industriais e de alumínio, por exemplo, as despesas com energia chegam a representar 72,5% e 37,5% do total de custos, respectivamente.

Feita essa ressalva, Macedo avalia que a restrição energética foi mais um dentre os vários fatores que prejudicou o desempenho da indústria. No entanto, para o coordenador do IBGE, existem outros condicionantes mais importantes para o comportamento da atividade industrial neste momento, como a desaceleração da demanda, o aumento dos juros, o encarecimento do crédito, o maior acúmulo de estoques e o elevado nível de endividamento das famílias. "A questão da energia é mais um fator que ajuda a dar esse tom de arrefecimento da indústria, quando olhamos um horizonte maior."

Como exemplo de que o aumento dos custos com energia não é a única explicação para a perda de fôlego das indústrias de média e alta intensidade em gastos com esse insumo, o especialista do IBGE menciona que, dentro do setor de intensidade baixa, a maior contribuição positiva no primeiro trimestre veio da alta de 4,2% da produção de bens de consumo duráveis. Nesta categoria, estão os fabricantes de televisores, que tiveram a demanda impulsionada pela Copa do Mundo no começo de ano.

Já dentro do segmento de média intensidade, a retração de 3,9% da produção de bens de capital foi a principal influência negativa. Estão nesta categoria de uso, que é bem heterogênea, produtos como "no-breaks", transformadores, motores elétricos, compressores de ar e de gases, móveis para escritório e até vagões de passageiros.

Luiz Cezar Rochel, gerente de economia da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), afirma que 2014 não está sendo bom para o setor de bens de capital eletroeletrônicos, devido ao ambiente incerto para investimentos. Na opinião de Rochel, o cenário piorou não em função somente do problema energético, mas devido à alta da inflação e ao aumento das turbulências trazido pelas eleições.

 

Especificamente no segmento de transformadores, porém, o economista aponta que os investimentos estão andando de lado por causa da descapitalização das distribuidoras de energia. Essas empresas tiveram seu caixa afetado pelo aumento do custo da geração, provocado pelo maior uso das usinas termelétricas, afirma Rochel. Por isso, a demanda das distribuidoras por bens de capital têm diminuído.