A Bovespa e o risco de racionamento de energia

February 26, 2014 | Categoria: Energy

Por Carlos Eduardo Rocha 

Nos últimos meses, o assunto sobre a disponibilidade de energia elétrica no Brasil é tema recorrente e expôs novas fragilidades do nosso país aos agentes financeiros nacionais e internacionais, dentre os vários gargalos de infraestrutura apresentados pelo Brasil. Nossa matriz energética é baseada principalmente em hidroeletricidade. Se por um lado é exemplo de geração responsável, renovável, social e ambientalmente correta, fica exposta a riscos não gerenciáveis pelo homem, como o clima.

O regime de chuvas não ajudou desde o fim de 2013 e as perspectivas não são muito boas para os próximos meses. Os reservatórios de água, garantia da energia física, foram reduzidos a ponto de comprometerem a integridade do sistema nacional, surgindo novamente a possibilidade de racionamento justamente em um ano de Copa do Mundo e eleições.

As usinas térmicas já estão despachando e gerando uma energia mais cara principalmente pelo insumo necessário (óleo, gás e carvão), o que conduziu o mercado à vista (PLD) a operar no teto e em recorde histórico - R$ 822,83/MWh, quando o padrão para estimativas de longo prazo está em cerca de R$ 115,00/MWh. Um ponto importante seriam os impactos em alguns setores e empresas, presentes na bolsa de valores (Bovespa), caso o racionamento de energia seja uma realidade nos próximos meses.

A exposição que as companhias elétricas, presentes em bolsa, tem a esse cenário é variável e dependente de suas estratégias e de seu nicho de atuação. No segmento de geração, empresas que não possuem toda a energia contratada se beneficiam dos preços mais altos de venda, como a Cemig, comparadas àquelas com 100% de sua energia já vendida com preços estipulados em contrato. Atuantes no segmento de transmissão, Taesa e Alupar devem ter impacto neutro, já que recebem pela capacidade de transporte e não pela energia efetivamente transportada. O nicho mais afetado é o segmento de distribuição, que fica exposto aos elevados custos de energia, devendo respeitar seus contratos, o que pode comprometer seus balanços.

No momento atual, contudo, nem as elevadas distribuições de proventos (dividendos e JSCP) reduzem o risco de exposição no setor elétrico nacional. O setor acaba penalizado, sendo recomendada atuação seletiva aos investidores. As empresas voltadas aos setores de bens de capital, máquinas e equipamentos, e aquelas expostas a bens de consumo duráveis, como automóveis, tendem a ser mais prejudicadas em um eventual racionamento de energia. Nessas empresas, em geral, o racionamento acarreta, entre outros aspectos negativos, a elevação dos custos de produção em virtude dos menores volumes produzidos nas fábricas afetadas pelos cortes de energia, os gastos adicionais com aquisição/aluguel de geradores alimentados a óleo combustível, perda de produtividade por homem/hora trabalhada, decorrente das paradas prolongadas, potencial restrição na oferta de insumos acarretando preços mais elevados, entre outros fatores.

A companhia de petróleo integrada, atuante da exploração à comercialização, prescinde de processos intensivos no uso de energia, como no petroquímico, e, consequentemente, fica exposta aos riscos de potencial racionamento. As empresas de matérias-primas básicas e algumas companhias do segmento de papel e celulose, como Klabin e Suzano, próximas da autossuficiência de energia, são menos afetadas.

As empresas voltadas à indústria de transformação, como a cadeia do aço, e que não são autossuficientes, serão prejudicadas tanto pela elevação dos custos como pela redução dos volumes de compras de parte dos clientes, principalmente, do setor automobilístico, voltado à produção de veículos leves e pesados. Acrescenta-se, ainda, uma eventual necessidade de demissões na indústria, caso o prolongamento do quadro restritivo de energia afete de maneira importante a dinâmica do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Nos setores de varejo e de prestação de serviços, apesar da ausência de processos intensivos no uso de energia, os riscos podem estar relacionados de forma indireta, como no setor bancário, em que a menor atividade econômica poderá acarretar no aumento da inadimplência de empresas e consumidores, reduzindo os lucros dos bancos. As varejistas mais impactadas serão aquelas dependentes de um portfólio de venda de produtos duráveis e semiduráveis. Já o setor financeiro não bancário, como seguros e meios de pagamento, impactos relevantes serão praticamente nulos.

O setor de educação é um dos menos afetados por uma crise energética, dado que toda energia necessária é de baixa voltagem (110-220v) e facilmente alimentada por grupos geradores. Cabe salientar ainda que os períodos do dia utilizados para contenção de energia são os diurnos, logo, as aulas noturnas de faculdades e universidades não deverão ser impactadas.

 

O quadro exige cautela, pois poderá afetar a disposição por parte das empresas de investir em novas expansões de capacidade nos próximos anos, e também causar efeitos negativos no consumo, com o menor grau de confiança das famílias devido ao ambiente de incertezas presentes na economia.