Momento promissor para a bioeletricidade no Brasil

September 05, 2016 | Categoria: Energy

Karin Luchesi, da CPFL Energia, Artigos e Entrevistas 

O compromisso brasileiro firmado na reunião sobre clima de Paris (CoP-21) de elevar o uso de energias renováveis na geração de energia elétrica até 2030, a expansão do mercado livre de energia, a sobra estrutural de energia e mudanças regulatórias criam novas oportunidades para a bioeletricidade. Responsável pela geração de energia equivalente ao consumo de dez milhões de residências em 2015, a geração de biomassa deverá ampliar sua presença na matriz elétrica e poderá se tornar uma receita adicional relevante para as usinas de açúcar e álcool, a partir de modelos de parceria de negócios que reduzam riscos.

Em dezembro do ano passado, no Acordo sobre Mudança Climática de Paris, o governo brasileiro se comprometeu a elevar, até 2030, de 10% para 23% o uso de energias renováveis no fornecimento de energia elétrica, excetuando-se a hidroeletricidade proveniente de usinas hidrelétricas de grande porte. Segundo o balanço de energia de 2014, disponibilizado pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), a biomassa foi a fonte renovável que mais gerou energia, com 7,3% da oferta interna, à frente da eólica (2%) e da solar (0%), ficando apenas atrás da geração hídrica e das térmicas a gás natural. Além desse compromisso em incentivar as fontes alternativas, a matriz elétrica vive um momento de transição, que será benéfico para a biomassa, cuja geração está próxima ao consumo e ao centro de carga, o que diminui os custos com transmissão e as perdas no sistema.

Em 2005, as hidrelétricas respondiam por 77,1% do fornecimento de energia elétrica. Hoje representam 67,6% da capacidade instalada do sistema e, em 2024, a energia hidrelétrica responderá por 56,7%, segundo o Plano Decenal 2024, elaborado pela EPE. A maior parte das novas usinas hidrelétricas será feita sem grandes reservatórios. Com mais usinas a fio d´água, o sistema está mais dependente das chuvas. A capacidade de armazenamento das hidrelétricas caiu de 6,3 meses para 4,7 meses em dez anos e poderá cair mais até o fim da década. Entre 2013 e 2018, com a entrada das usinas do rio Madeira e Belo Monte em operação, a capacidade hídrica do sistema aumentará em 20 mil MW, sendo que apenas 200 MW têm reservatórios. Isso fará com que a capacidade de armazenamento caia para 3,8 meses em 2018. A menor área de alagamento reduz os impactos ambientais, mas torna o sistema mais dependente de São Pedro. Nesse contexto, a matriz será mais diversificada e terá de atrair investimentos em projetos mais próximos ao centro de carga e consumo, como a biomassa, cujo centro de produção está na região Sudeste, responsável por mais de 50% do consumo de energia elétrica. A bioeletricidade é complementar à geração hidráulica. Durante os períodos em que a chuva é mais escassa, entre maio e junho, é realizado o cultivo da safra de cana de açúcar. 

Há um outro trunfo: os resíduos também podem ser aproveitados, em vez de desperdiçados. Além do bagaço, a palha também pode ser aproveitada como energético. Uma tonelada de bagaço pode gerar mais de 300kWh para a rede elétrica. Uma tonelada de palha pode gerar 500kWh. Ano passado, o consumo médio residencial foi de 161,8 kWh. Com apenas um hectare de cana, a bioeletricidade pode abastecer mais de cinco residências durante um ano. A fonte ainda tem outra vantagem ambiental em um momento em que fabricantes de equipamentos e petroleiras já trabalham com a eventualidade de surgimento, nos próximos anos, de um preço mundial sobre a emissão de carbono. Em 2015, segundo estimativas da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), a geração de energia renovável e limpa pela biomassa pode ter evitado a emissão de aproximadamente dez milhões de toneladas de CO2.

Outros fatores criam um futuro promissor para a bioeletricidade. O mercado livre de energia, em que consumidores industriais e comerciais selecionam seu fornecedor em contratos de curto ou longo prazo, está em franca expansão em virtude do amadurecimento do mercado e pela alta das tarifas no mercado cativo. Em 2011, havia cerca de mil consumidores livres. Ano passado, esse número saltou para 1826 e deverá chegar a 3221 até dezembro. Enquanto na metade da década de 2000 esse movimento era conduzido por grandes empresas como mineradoras e siderúrgicas, hoje é liderado por consumidores especiais com menor carga, como redes de supermercados, universidades e hospitais, interessados em reduzir seus custos.

A expansão do mercado livre está sendo orientada por consumidores especiais (cuja demanda contratada seja maior ou igual a 500 kW, individualmente ou por soma de carga) que podem contratar energia de fontes renováveis ou convencionais, como grandes usinas hidrelétricas ou termelétricas acima de 50MW. A retomada do crescimento do mercado livre abre uma grande oportunidade para a venda da energia elétrica excedente das usinas de açúcar e álcool para as comercializadoras de energia e para os consumidores livres, firmando contratos de médio e longo prazo que trazem receita adicional e previsibilidade ao fluxo de caixa de seus negócios.

Essa oportunidade cria a necessidade de viabilização de parcerias. Hoje, de acordo com dados da UNICA, apenas metade das 355 usinas espalhadas pelo país exportam energia para a rede. Para mudar esses números, seria preciso que as usinas investissem na aquisição de novas e eficientes caldeiras, o chamado retrofit, o que permitiria gerar energia excedente. A expansão do mercado livre e dos clientes especiais abre uma oportunidade para a comercialização deste excedente, cujos contratos de compra e venda podem ser usados como garantia para obtenção de financiamentos que viabilizariam a própria modernização das usinas de açúcar e álcool.

É certo que o setor sucroalcooleiro vive um momento delicado financeiramente, reflexo do alto endividamento e da política de controle dos preços dos combustíveis que perdurou entre 2009 e 2014, o que reduziu a geração de caixa dos usineiros. Nos últimos anos, mais de 50 usinas fecharam as portas. Esse contexto pode ser superado com parcerias com investidores confiáveis e que conheçam o mercado de energia elétrica. Existe a possibilidade de que essa expansão seja feita em associação com investidores, que fazem o aporte de recursos na aquisição dos equipamentos e ficam, como contrapartida, com parte da energia a ser gerada. O investimento em retrofit não apenas aumenta a produção de eletricidade como também a amplia a eficiência operacional das usinas, contribuindo para elevar a produção de açúcar e álcool.

Esse conjunto de fatores estruturais e conjunturais aponta, assim, para um futuro promissor para que a bioeletricidade contribua para tornar a matriz elétrica nacional ainda mais limpa. O Brasil, por sua biodiversidade e por ser uma das 10 maiores economias do mundo, vem liderando os fóruns internacionais de discussão em direção da economia de baixo carbono e do combate às mudanças do clima. Cada vez mais, produzir bens e serviços de forma limpa e sustentável será um diferencial competitivo e reputacional para quem deseja participar do comércio global. E as usinas de açúcar e álcool, por meio da bioeletricidade, podem ser importantes parceiras das empresas brasileiras nesta nova corrida do mercado internacional no século XXI.