Líderes da construção civil criticam destinação do FGTS ao crédito consignado
February 03, 2016 | Categoria: Engineering
Gustavo Coltri e Circe Bonatelli
Os representantes do setor imobiliário adotaram a cautela na avaliação das medidas de estímulo ao desenvolvimento econômico anunciadas na quinta-feira (28) pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) no Palácio do Planalto, ele disse que o governo planeja injetar R$ 83 bilhões em crédito na economia - R$ 49 bilhões provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hoje a principal fonte de recursos para os financiamentos de habitações econômicas no País, incluindo moradias de das três faixas do programa Minha Casa Minha Vida.
O Governo Federal permitirá que trabalhadores demitidos possam utilizar 40% da multa do FGTS, além de 10% do saldo dessas pessoas no fundo, como garantia para a obtenção de crédito consignado. A medida deve movimentar R$ 17 bilhões. Outros R$ 10 bilhões devem ser usados diretamente na compra de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) de instituições financeiras para que o recurso seja direcionado por elas ao financiamento habitacional. Além disso, de acordo com o plano governamental, R$ 22 bilhões do Fundo de Investimento (FI-FGTS) devem ser alocados em obras de infraestrutura.
Flávio Prando, presidente da Comissão Imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), vê com preocupação o uso do FGTS para a concessão de crédito consignado por acreditar que a medida não é condizente com o objetivo do fundo. "O FGTS serve para fomentar a habitação, o saneamento e a infraestrutura no País. Qualquer medida nesses três pontos, especialmente a habitação, é vista de maneira positiva por nós."
O presidente da Federação Internacional Imobiliária (Fiabci) no Brasil, Rodrigo Luna, também é contra a novidade. Ele diz que o FGTS, pelas características de rendimento que apresenta, responde bem a financiamentos de longo prazo, como o destinado à compra de imóveis. "Mas é preocupante quando ele é usado para a quitação de qualquer tipo de dívida, como de cartão de crédito, por exemplo." Além disso, ele teme que a novidade crie uma "indústria de demissões" no País, incentivando o uso de recursos do fundo por pessoas que perderam seus empregos.
Essa mesma expressão foi utilizada pelo presidente da CBIC, José Carlos Martins, em entrevista à imprensa, quando ele se referiu ao risco de a medida motivar dispensas e estimular a informalidade na economia.
CRIs
Os representantes setoriais são mais otimistas quando o assunto é o uso de R$ 10 bilhões para a aquisição de CRIs. O presidente da Fiabci-Brasil diz que, embora limitado, o recurso pode ser uma das alternativas para atenuar a escassez de funding dos financiamentos imobiliários com recursos na poupança. Já segundo o representante da CBIC, a notícia só será boa se os recursos repassados às instituições financeiras forem efetivamente utilizados no crédito habitacional.
O presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte de Abreu, ponderou que o governo ainda não detalhou as características dos aportes do FGTS na aquisição dos CRIs. Segundo Abreu, faltam explicações sobre o tipo de recebíveis que farão parte das carteiras e se as operações envolverão tanto os bancos públicos quanto os privados. Ele lembrou que o fundo já fez operações de portes menores para aquisição de carteiras bancárias de financiamento imobiliário - em torno de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões.
Limitações
O presidente da Abecip também vê limitações na capacidade do pacote de medidas em reanimar a economia brasileira. "O maior impulso que o governo pode dar é reforçar todas as mensagens ligadas ao controle fiscal. O que mais está pressionando a economia hoje é a taxa de juros alta. Existe uma situação de alto endividamento do País, e um governo que gasta mais do que ganha. Isso cria desconfiança sobre todos os agentes produtivos", afirmou Abreu, referindo-se aos desequilíbrios na Previdência e nos gastos obrigatórios do governo.
O vice-presidente da Habitação Popular do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), Ronaldo Cury, também defendeu as reformas estruturais da economia e, sem informações documentadas sobre as medidas anunciadas por Nelson Barbosa, ele acha difícil avaliar as consequências sobre o mercado. "Ainda não há uma lei, uma instrução normativa. E, no geral, isso não bastará para recuperar a economia."