Não incidência do ICMS sobre a demanda de energia contratada não é a cereja do bolo

May 18, 2020 | Categoria: Energy

O Supremo Tribunal Federal decidiu no Recurso Extraordinário nº 593824 (Tema 176), afetado pela sistemática da repercussão geral, que a demanda em potência elétrica contratada por si só não é passível de tributação pelo ICMS, e que tal imposto estadual deve incidir apenas sobre o efetivo consumo.

A tese fixada foi a seguinte: "A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor".

Esse entendimento será seguido por todo o Judiciário do país, já que foi julgado com efeito erga omnes.

Inclusive, nesse ponto, é importante destacar que o entendimento da Suprema Corte pela inconstitucionalidade da exação acompanha o que foi sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2009 [1].

Com a definição do tema por ambos os tribunais superiores, o Poder Judiciário conclui uma das teses da tríade envolvendo a incidência do imposto mercantil sobre a energia elétrica, que atualmente também envolve: I) a aplicação da essencialidade na fixação da alíquota do ICMS sobre energia elétrica [2]; II) a incidência do ICMS sobre TUSD e TUST [3]; e III) a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada.

Mas pouco é dito sobre o alcance desse direito. Pelo que se observa, tecnicamente, é bem provável que, em que pese ser uma vitória dos contribuintes, as peculiaridades que envolvem o caso pode levar a contornos diferentes, já que a recuperação do crédito dependerá de vários fatores.

Pelo que se extrai do julgado, os contornos da matéria se referem a não incidência do ICMS sobre a demanda contratada de potência e não utilizada. Ou seja, aquilo que foi efetivamente utilizado/consumido, continuaria a ter a incidência do tributo estadual, de modo que não incidirá o imposto apenas sobre essa diferença.

A demanda de energia elétrica é aquela pactuada em contrato, cujo objeto é a potência ativa a ser obrigatória e continuamente disponibilizada, no ponto de entrega, conforme valor e período de vigência fixados em respectivo contrato, e que deve ser integralmente paga, seja ou não utilizada durante o período de faturamento.

Esse conceito de demanda contratada se aplica às unidades ligadas à alta tensão (Grupo A) e é utilizada como parâmetro no contrato de fornecimento de energia elétrica da unidade consumidora.

É possível que os maiores consumidores que dependam da demanda contratada se encontrem no setor industrial, responsável por grande parte da aquisição da energia produzida no país [4].

Contudo, há um ponto peculiar pouco observado. Como se sabe, as indústrias estão autorizadas a se apropriar do crédito de energia elétrica quando consumido no processo de industrialização, nos termos da Lei Kandir [5].

Isso significa que é provável que o ICMS incidente na demanda contratada, e não utilizada, tenha sido utilizado para fins de apuração do referido imposto na sistemática débito x crédito, reduzindo o imposto a pagar no passado.

Partindo desse pressuposto, o fato é que a recuperação do indébito tributário passaria pelo estorno do crédito relacionado a aquisição de energia elétrica utilizada no processo de industrialização, o que certamente irá diminuir a repercussão financeira da tese firmada pelo Poder Judiciário, a depender do contribuinte. Deve-se notar, portanto, os limites da decisão, que abarca somente grandes consumidores ligados à alta tensão de energia elétrica, alcançando apenas a diferença entre a demanda contratada e não utilizada, e ainda que para se beneficiar desse direito alguns contribuintes terão que promover o estorno do crédito de energia elétrica consumido no processo de industrialização,

Em que pese toda essa adversidade, pode haver um alento vindo do setor regulatório de energia elétrica.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vem discutindo com as distribuidoras de eletricidade acerca da devolução aos consumidores de valores pagos a mais na conta de energia nos últimos anos, em função da repercussão decorrente de teses tributárias.

Existe um debate em curso sobre as decisões judiciais transitadas em julgado que concluíram pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins nas tarifas de energia.

A Aneel defende que os efeitos presentes e futuros das decisões judiciais sejam usados em benefício dos consumidores. Isso inclui créditos gerados a partir das ações e cobranças futuras do imposto.

O caminho regulatório pela agência competente depende de diversos fatores e definições que devem ser observados pelos consumidores de energia elétrica.

 

Até que a agência não apresente alguma solução, os contribuintes devem se valer de suas ações judiciais para assegurar eventuais direitos em relação à não incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada, considerando todas peculiaridades apontadas.